Como Escrever Petições que Conquistam?

Neste artigo, compartilhamos dicas práticas e objetivas para escrever petições eficazes, baseadas na experiência real do dia a dia da advocacia.

PRÁTICA JURÍDICA

Dr. Gabriel Azevedo

7/7/20257 min read

A advocacia de verdade não se constrói com petições longas, repletas de doutrina, citações em latim e frases difíceis que ninguém lê. No dia a dia do fórum, especialmente diante de um Judiciário sobrecarregado, com prazos apertados e decisões em série, petição boa é petição que funciona. E isso significa comunicar bem, de forma objetiva e principalmente humana.

Ao longo da minha trajetória como advogado, depois de ter lido milhares de decisões, redigido incontáveis peças e acompanhado de perto a rotina de gabinetes, magistrados e assessores, percebi algo que mudou a forma como eu atuo: a tese mais bonita não muda um processo se os fatos estiverem mal contados ou se o pedido estiver mal feito.

O juiz precisa entender rapidamente o que aconteceu e o que você quer. Simples assim. Quem decide não tem tempo de sobra, mas valoriza, e muito, quem facilita sua análise com uma narrativa clara, estruturada e fiel à realidade do processo.

Por isso, a petição eficaz é aquela que, antes de tudo, respeita a lógica da comunicação jurídica: ela narra bem os fatos, enquadra o direito de forma coerente e apresenta pedidos juridicamente viáveis e precisos. Essa é a advocacia que gera resultado. E esses são os pilares que compartilho a seguir, não baseados em teoria, mas sim no que realmente funciona na advocacia prática.

1. Os Fatos São Sua Melhor Tese

Antes de pensar em jurisprudência, doutrina ou artigos de lei, lembre-se: o que realmente convence é a história bem contada.

Uma petição eficaz começa como uma narrativa clara, real, humana. O juiz ou assessor que vai ler a peça precisa, antes de tudo, sentir o impacto daquela situação na vida do seu cliente. Não adianta começar com “nos termos do artigo 186 do Código Civil” se o leitor não entendeu o que aconteceu, por que é injusto e como isso afetou a vida de alguém real.

Contar os fatos não é simplesmente relatar datas, locais e contratos. É construir um enredo coerente e emocionalmente inteligível. A injustiça precisa ficar evidente na forma como você descreve a realidade vivida pelo seu cliente. Isso dá corpo à tese jurídica. É o que prepara o solo para o fundamento legal germinar.

Exemplo real da prática:

Defendemos um cliente estrangeiro, com filhos pequenos, que foi surpreendido com uma ordem de despejo no meio de uma estada planejada. Não bastava alegar “descumprimento contratual” — isso é raso demais. O que tocou o juiz foi demonstrar o que isso significou na vida prática: ele teve que mudar às pressas, perdeu o equilíbrio familiar, teve despesas inesperadas, precisou encontrar outra moradia urgente, lidou com medo e insegurança em um país que não era o seu.

É esse tipo de impacto que transforma um problema jurídico em um caso com vida. Essa é a diferença entre uma petição burocrática e uma que realmente sensibiliza quem julga. Não subestime os fatos. Quando bem trabalhados, eles se tornam sua melhor e mais legítima tese.

2. Pedido direto ao ponto e Juridicamente Viável

Na advocacia de verdade, o pedido não é um detalhe; ele é o coração da petição.

É comum ver colegas colocarem dezenas de pedidos na esperança de “não deixar passar nada”. Mas o efeito disso, muitas vezes, é o oposto: pedidos genéricos, desproporcionais ou mal fundamentados são indeferidos de plano, sem sequer serem analisados no mérito.

Na prática forense, o juiz precisa entender rapidamente o que você está pedindo, com base em que e por que isso é viável. Clareza é justiça.

O que significa pedir estrategicamente?

  • É dizer exatamente o que se pretende: indenização, obrigação de fazer, tutela de urgência, repetição de indébito, etc.

  • É apontar quanto vale o direito violado, com base em provas documentais ou referências jurisprudenciais. Evite frases vagas como “valor a ser arbitrado”.

  • É demonstrar qual norma legal ou precedente fundamenta esse direito, especialmente com base na jurisprudência local (sim, ela importa muito!).

Exemplo real da prática:

Em uma ação contra uma empresa de locação por retenção de valores e falha grave na prestação do serviço, não bastava pedir “devolução do valor pago”. Precisamos mostrar o valor exato, atualizado, provar a existência do acordo firmado, e indicar a base legal (arts. 884, 927 do CC e 14 do CDC).
Nos danos morais, usamos precedentes da mesma comarca para justificar o valor sugerido.

Resultado? O juiz entendeu o pedido, viu sua razoabilidade e deferiu parcialmente a tutela antes mesmo da contestação.

A lição é simples: peça com estratégia. A clareza, a viabilidade jurídica e a coerência entre os fatos, a prova e o direito invocado tornam sua petição mais eficaz.
No fim, a petição que funciona é aquela que diz o necessário, no tom certo, com o respaldo adequado, sem prometer o que o direito não entrega.

3. Use a Lei e a Jurisprudência com Inteligência

Petição não é artigo científico. É instrumento de convencimento.

A doutrina é valiosa para formar base teórica mas, na prática forense, ela raramente é o que decide. Citar longos trechos doutrinários ou pareceres de juristas renomados pode impressionar, mas dificilmente resolve.

O que realmente importa para quem vai julgar é saber se outros casos iguais já foram resolvidos da mesma forma. É isso que traz segurança jurídica, previsibilidade e praticidade à decisão.

Em vez de três páginas de teoria sobre dano moral, traga um acórdão direto do TJ do seu estado que diga: “falha na prestação de serviço justifica indenização no valor de R$ 15.000,00 em caso semelhante.”

Menos é mais: cite um julgado claro, objetivo e atual. De preferência da mesma comarca ou tribunal. Isso mostra que você não está inventando moda, está apenas pedindo o que já é prática reconhecida.

4. Organize a Petição para Facilitar a Vida de Quem Vai Decidir

Um bom advogado escreve para ser lido. Um excelente advogado escreve para ser entendido. Juízes e seus assessores lidam com centenas — às vezes milhares — de processos toda semana. A sua petição precisa facilitar o trabalho deles. Organização não é frescura, é estratégia.

Faça da sua petição um mapa claro:

  • Use títulos e subtítulos objetivos: “Dos Fatos”, “Do Direito”, “Dos Danos Morais”, “Dos Pedidos”.

  • Destaque valores e datas com negrito ou pontuação clara. Isso acelera a leitura e evita mal-entendidos.

  • Use uma linguagem respeitosa, mas direta. Petição não é lugar de floreio: é lugar de argumento claro.

  • E, por favor: não esconda o pedido no final de um parágrafo gigante. O juiz precisa saber o que você quer, quanto, por quê e com base em quê.

Petição boa é aquela que orienta o olhar de quem decide. Se o juiz precisar reler cinco vezes para entender seu ponto, já começou mal. Na prática da advocacia que resolve, a forma importa — e muito. Clareza, objetividade e organização são sinais de respeito com o leitor e com a causa do seu cliente.

5. Esteja Presente. Se For Preciso, Despache Pessoalmente

Não subestime o poder da presença. Na era da advocacia digital, protocolar se tornou fácil. Mas resolver, muitas vezes, ainda depende do bom e velho contato pessoal. Há situações, especialmente em pedidos urgentes, tutelas provisórias ou situações processuais mais delicadas, em que nada substitui uma conversa respeitosa e direta com o servidor, com o chefe de serventia ou com o próprio magistrado (quando possível).

Despachar pessoalmente não é ultrapassado. Quando o processo está parado, quando há risco iminente ao direito do cliente ou quando há urgência clara, o simples ato de ir ao cartório, de conversar com o assessor, de explicar o contexto com serenidade e firmeza pode destravar decisões.

Um caso que parecia indefinido, aguardando juntada de manifestação há semanas, foi resolvido no mesmo dia depois de uma conversa no balcão e um despacho breve com o juiz.

Mas atenção: presença não é sinônimo de arrogância. É sobre se fazer lembrar com respeito, objetividade e bom senso. Seja claro. Seja educado. Seja direto. Quem vive a advocacia de verdade sabe: tem processos que andam porque alguém foi lá, explicou e mostrou que por trás do número que há uma vida esperando.

No fim das contas, ainda são pessoas decidindo sobre pessoas. E, nesse cenário, o olho no olho, com ética, humildade e firmeza,  continua sendo uma das ferramentas mais poderosas da boa advocacia.

A Petição que Convence é a que Comunica Bem

Você pode dominar a doutrina, citar jurisprudências em série e escrever com estilo. Mas se sua petição não comunica com clareza, justiça e estratégia, ela será apenas mais um papel entre milhares que chegam às mesas dos magistrados todos os dias. Advocacia é técnica, sim. Mas é também escuta e empatia.

Traduzir o sofrimento do seu cliente em argumentos jurídicos sólidos. Traduzir uma vida real em uma narrativa convincente. Traduzir o que é justo em algo que pode ser acolhido por quem julga.

É saber que, muitas vezes, a melhor tese nasce do silêncio — daquele momento em que você para, observa o processo inteiro, entende o drama humano e só depois escolhe o que pedir e como pedir.

“Enquanto o tempo acelera e pede pressa… eu me recuso, faço hora,...”
Lenine, “Paciência”

Essa é a advocacia que escolhemos fazer. A que exige tempo. A que exige cuidado. Porque o cliente não precisa de uma petição “bonita”, ele precisa de resultado.

E resultado só vem quando a gente faz com verdade, com estratégia e com propósito. Quando paramos de escrever por escrever, de peticionar por peticionar. Quando passamos a advogar com significado — não apenas para cumprir prazos, mas para transformar vidas.

Essa advocacia dá mais trabalho. Dá. Exige mais leitura. Mais escuta. Mais paciência. Mas também é a única que vale a pena.